O público mais esquecido por quem inova no Brasil, o consumidor.

Dia desses, ouvindo o Clubhouse, a nova plataforma queridinha da internet, um bate-papo escancarou a dificuldade das startups brasileiras criarem inovação de impacto para melhorar a experiência do consumidor. Em um primeiro momento, a afirmação pareceu mais uma provocação exagerada. De relance, é possível citar diversas empresas que trouxeram impacto real na vida dos consumidores (sem juízo de valor quanto ao futuro e à saúde desses negócios): Nubank, Banco Inter, Rappi, iFood, Enjoei, Méliuz. Um olhar mais cuidadoso, no entanto, mostra uma concentração de negócios em fintechs, delivery e varejo. Não há dúvida de que as startups que democratizam o acesso a serviços financeiros que são essenciais, assim como as plataformas de delivery que permitem movimentar a economia nesses tempos de lockdowns irregulares e home office forçado. Porém, há múltiplas tarefas, produtos e serviços que poderiam melhorar a experiência geral do consumidor no país.

“Faltam, no entanto, startups capazes de oferecer boas soluções e produtos para o grande mercado consumidor brasileiro.”

Fatores que inibem negócios B2C

Clayton Christensen, em sua extraordinária obra de consolidação de princípios inovativos, destrinchada em diversos livros e textos, sempre diz que uma startup, — uma empresa insurgente —, traz uma melhora leve, “boa o suficiente”, sobre o que já existe. O ciclo de inovação faz com que um produto ou serviço “bom o suficiente” comece a ganhar escala porque se propõe a realizar alguma tarefa melhor que os competidores normais.

Descobrir onde estão os pontos de melhoria – pontos de dor, zonas de fricção e atrito – é a tarefa a ser resolvida por times e processos ágeis de produção de inovação. Normalmente, quando essa inovação chega, ela causa estranheza, fica abaixo do radar, mas vai ganhando adeptos e, repentinamente, torna-se um negócio exuberante. Isso, claro, se o modelo de negócio for consistente e capaz de se provar, atravessando o “vale da morte”, o momento em que a startup ganha tração e realmente precisa devolver ao cliente a confiança recebida, bem como mostrar capacidade de ganhar mercado velozmente, o que redunda em novas rodadas de investimento.

Propor inovações para o mercado B2B é mais simples. Não por acaso, há muito mais startups voltadas para atender o mercado corporativo, oferecendo soluções e tecnologias que permitem melhorar e digitalizar processos, ganhar eficiência, reduzir custos e automatizar áreas de negócio, do que para os consumidores finais.

O investimento de entrada é menor. As próprias empresas se lançaram em uma busca constante por startups que complementem seus negócios e a abordagem é menos complexa, fatores que inibem sensivelmente a criação de negócios B2C.

 

Inovações e disrupções para melhorar a vida do consumidor brasileiro

Não faltam, contudo, pontos de fricção, produtos e serviços que não possam ser “disruptados” por empresas insurgentes. O mercado brasileiro está repleto de ineficiências, assimetrias e problemas que devem ser resolvidos por negócios inovadores.

Em saúde e educação privadas, por exemplo, as oportunidades são espantosas, tamanha a carência de boas ideias nos modelos existentes. As opções para o mercado de consumo, em bens de consumo não-duráveis também são expressivas. Na mobilidade urbana, jornada e experiência do cliente, serviços comunitários, entretenimento, serviços básicos, bem-estar, ecologia, não faltam segmentos e setores que demandam aprimoramentos, evoluções e inovações que tragam melhorias para o consumidor, independentemente de sua renda.

Melhorar a vida do consumidor brasileiro, é um desafio, uma causa, uma necessidade e até mesmo, um negócio promissor. Talvez o ecossistema de inovação ainda não tenha percebido esse potencial e talvez os investidores estejam procurando negócios de ganho mais rápido, com mais variáveis controláveis.

A era de startups que aceleram demais o negócio ao ganharem uma escala brutal ao mesmo tempo em que precisam consumir caixa de modo irracional, como Uber, WeWork, GrubHub, já passou. Ainda assim, confinar a inovação somente no quadrado B2B ou em poucos segmentos B2C, é perder a oportunidade de criar negócios com escala global a partir de um mercado de grande amplitude, justamente o nosso.

A evolução da experiência do cliente passa necessariamente por termos muito mais startups pensando e propondo inovações e disrupções para grandes massas de consumidores. O potencial de geração de riqueza, valor e oportunidade, a partir desse direcionamento, é incalculável.

Pense nisso, antes de criar a sua próxima startup.

Fonte: artigo de Jacques Meir, diretor-executivo de conhecimento no grupo Padrão, publicado em Whow Inovação!